EMENTA: CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. CONTRATO DE LOCAÇÃO POR DOIS ANOS. LOCATÁRIO QUE RESIDE HÁ ANOS NO IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO SEMELHANTE. CONTRATO ASSINADO PARA JUSTIFICAR A PERMANÊNCIA NO BEM. SIMULAÇÃO. OBSERVÂNCIA DA BOA-FÉ. NEGÓCIO NULO. DEMANDA DE DESPEJO IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO. I. A existência de contrato de locação, referente somente a um pequeno período recente, com quem já reside no local há muito tempo, aliada à informação de que outra pessoa teve que assinar contrato sobre imóvel que já ocupava, em situação semelhante, apenas para justificar a permanência no bem, indica no sentido de que o contrato é um negócio jurídico simulado. II. Os negócios jurídicos devem ser interpretados segundo a boa-fé, razão pela qual é nulo o negócio simulado, que sequer convalesce com o tempo, segundo disposição dos artigos 113, 167 e 169, todos do Código Civil. III. Sendo nulo o negócio que deu origem à demanda, os pedidos da Ação de Despejo nele fundada devem ser julgados improcedentes, razão pela qual a sentença merece reforma. IV. Apelo provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade, em conhecer e dar provimento à Apelação interposta, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Maria das Graças de Castro Duarte Mendes – Relatora, Jorge Rachid Mubárack Maluf e Kleber Costa Carvalho.
Funcionou pela Procuradoria de Justiça, a Dra Domingas de Jesus Fróz Gomes.
São Luís (MA), 11 de abril de 2013.
Desa. Maria das Graças de Castro Duarte Mendes
Relatora
ESTADO DO MARANHÃO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 002615/2010 – SÃO LUÍS
(NÚMERO ÚNICO: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX)
APELANTE: RAIMUNDO NONATO CÂMARA MARTINS.
ADVOGADOS: SEBASTIÃO DE CRUZ MOREIRA, JOSÉ LUIS LUCAS DA SILVA, CLEBEOMAR EVERTON MOREIRA, JOCIMAR CUTRIM FRÓZ.
APELADO: AKRÓPOLIS ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO LTDA.
ADVOGADOS: KARLA MARÃO VIANA PEREIRA MURAD, JOSÉ CALDAS GOIS, JOSÉ CALDAS GOIS JÚNIOR, CLARISSA BRITO VAL, GLENDA MARÃO VIANA PEREIRA.
RELATORA: DESA. MARIA DAS GRAÇAS DE CASTRO DUARTE MENDES.
REVISOR: DES. JORGE RACHID MUBÁRACK MALUF.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por Raimundo Nonato Câmara Martins, em face da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 6ª Vara Cível de São Luís, nos autos da Ação de Despejo cumulada com Cobrança autuada sob o nº. 10377/2002.
Na sentença vergastada restou consignada a procedência dos pedidos, decretando-se o despejo do Apelante, com prazo de 15 (quinze) dias para a desocupação voluntária do imóvel. Restou consignada ainda, a condenação do Recorrente, e subsidiariamente, do fiador, ao pagamento dos aluguéis referentes ao período de março de 2000 a maio de 2002, com acréscimo de multa contratual e valor referente a débito do IPTU, tudo corrigido monetariamente.
O Juiz de Base condenou ainda o Apelante, ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, e fixou o valor da caução em 12 (doze) vezes o valor do aluguel.
Nas razões do Apelo interposto o Recorrente relata que reside no imóvel em questão com sua família, desde 1987, quando trabalhou para o estabelecimento denominado Hotel Ponta D'Areia na função de vigia. Diz que foi demitido em 1998 e continuou a residir no mesmo imóvel onde haveria duas casas supostamente construídas pelo Apelante, morando a mais de 22 (vinte e dois) anos no local.
Alega que em 02 de janeiro de 2000, lhe foi imposto por representantes da Apelada, um contrato de locação forjado para que de maneira mais fácil a Recorrida pudesse retirar o Apelante e sua família do imóvel situado na Rua Projetada, nº. 595, Calhau.
Explica que no local há duas casas que teriam sido construídas pelo Apelante, que afirma ter montado um bar em uma delas para prover o sustento de sua família, o que segundo entende, estaria comprovado por prova oral produzida.
Sustenta que certidão relativa à regularização da compra do imóvel datada de 25 de janeiro de 2000 revela que o Apelante já residia no local quando o contrato de locação foi assinado.
Argumenta que o contrato de locação foi forjado, pois a Recorrida teria receio de que fosse alegada a existência de usucapião. Questiona também, como poderia residir há mais de 13 (treze) anos no local, e somente após tal período ser assinado um contrato de aluguel em valor acima do que vale o imóvel e do que o Apelante poderia pagar.
Concluindo, pede o provimento do Apelo e a reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos da Apelada, e a consequente inversão dos ônus sucumbenciais. Pede também, caso seja contrário o entendimento desta Corte, que seja determinada a compensação dos valores gastos nas benfeitorias realizadas.
Pleiteou ao final, assistência judiciária gratuita, que foi deferida à fl. 161.
Em contrarrazões, a Apelada relata que ajuizou a demanda de despejo, pois o Apelante estaria em débito com os aluguéis referentes aos meses de março de 2000 a maio de 2002, e com os valores referentes ao IPTU do período. Em seguida relata o curso da demanda no Juízo de Base, e em resumo os argumentos levantados no Apelo.
Volta-se contra tais argumentos, defendendo os motivos estabelecidos na sentença e em seguida, alegando que não há qualquer óbice para a decretação do despejo pleiteado, e pagamento das prestações e assessórios da locação, pois seria inconteste a existência do contrato de locação e a alegada inadimplência do Apelante.
Diz que restou comprovada a propriedade da Apelada sobre o imóvel objeto do litígio e a celebração do contrato de locação segundo os ditames da Lei nº. 8.245/91, e, por isso, a posse do bem não poderia ser dada ao Apelante. Alega também, que não houve aquisição da propriedade pelo Recorrente, e nem mesmo usucapião, pois não estariam preenchidos os requisitos.
Ao final, pede o improvimento do Apelo e a manutenção integral da sentença.
A Procuradoria de Justiça declinou do exame de mérito do presente recurso, na manifestação de fls. 180/181.
Vieram-me conclusos.
É o relatório.
VOTO
Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da Apelação interposta.
No caso em apreço, a irresignação do Apelante esteia-se basicamente no argumento de que o contrato de locação que alicerça a pretensão da Apelada foi forjado pela Recorrente, imbuída de receio que o Apelante adquirisse o imóvel pela usucapião, já que nele residiria por vários anos.
A resolução da questão passa, portanto, por concluir pela existência ou não da alegada simulação do negócio firmado.
Analisando o arcabouço probatório dos autos, vejo que o contrato foi firmado em janeiro de 2000, para ter vigência por apenas dois anos, prazo contratual no qual a Recorrida nada fez sobre não ter recebido quaisquer locatícios, segundo alega o próprio representante legal da Apelada, no depoimento de fl. 116.
Aliás, os depoimentos auxiliam o deslinde da demanda, pois demonstram que muito tempo antes da celebração do contrato de locação, o Recorrente residia no local da onde a Apelada pretende vê-lo desalojado.
É o que se nota, novamente do depoimento do representante legal da Recorrida à fl. 116. Nele, o Sr, Armando Oliveira Gaspar Filho reconhece que:
"[...] é irmão do dono da Akrópolis; Que o réu mora nesse imóvel há muito tempo e é só um imóvel; Que o réu mora nesse imóvel de aluguel e nunca pagou aluguel; Que não sabe informar se o réu antes desse contrato pagava aluguel;[...]".
Tal fato é corroborado pelos depoimentos constantes das fls. 118/119, sendo relevante notar, que a testemunha Francisco Serrão Soares chegou a relatar ter celebrado contrato com condições semelhantes à do Recorrente, sem nunca pagar aluguéis aos sócios da Sociedade Apelada.
Esse é o contexto, no qual o contrato de locação refere ao período apenas de 2000 a 2002, mas como reconhecido pela Recorrente, o Apelante reside no local há muito tempo. Além disso, releva notar as informações de que outro contrato semelhante foi firmado com outra pessoa, que também não pagava aluguéis.
Considerando tais fatos, entendo por comprovado que o contrato objeto do presente litígio, de fato, é fruto de simulação, que não deve ser abraçada pelo Poder Judiciário, eis que os negócios jurídicos devem ser interpretados segundo a boa-fé, razão pela qual é nulo o negócio simulado, sequer convalescendo com o tempo, segundo disposição dos artigos 113, 167 e 169, todos do Código Civil.
Não é por outra razão que a jurisprudência tem rechaçado a validade de contratos firmados em situação semelhante, conforma se denota do seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - CONTRATO - CONTRATO DE LOCAÇÃO - FRAUDE DOCUMENTAL - FIADORES - NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE - PEDIDO IMPROCEDENTE. Considerando que o contrato de locação juntado aos autos, porquanto forjado, não transpõe a linde da existência no mundo jurídico, em razão de não refletir a existência de acordo de vontades das partes. Inexistindo a relação locatícia entre as partes, não há como acolher o pedido de despejo por falta de pagamento c/c cobrança, devendo a parte, no caso de o imóvel estar precariamente ocupado por terceira pessoa, valer-se da medida cabível para reaver a sua posse. (TJ/MG. Apelação Cível nº. 0971989-54.2008.8.13.0024 (1). Relator Desembargador Estevão Lucchesi. Publicação 31/08/2012).
Da mesma forma do caso verificado no julgado mencionado, a simulação do negócio demonstrada no presente processo, leva à improcedência do pedido de despejo, razão pela qual a sentença merece reforma.
Isto posto, VOTO pelo conhecimento e provimento da Apelação, reformando a sentença, para julgar improcedentes todos os pedidos da inicial de fls. 03/08.
Por consequência, inverto o ônus da sucumbência, e condeno a Apelada, ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor do benefício econômico almejado, na forma do artigo 20, § 3º, do CPC.
É como voto.
São Luís (MA), 11 de abril de 2013.
Desa. Maria das Graças de Castro Duarte Mendes
Relatora
Poder Judiciário do Estado do Maranhão - Tribunal de Justiça do Maranhão. Praça D. Pedro II s/n - Centro - São Luís - Maranhão - Cep: 65.010-905
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMA - Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. TJMA - Civil. Ação de despejo. Contrato de locação por dois anos. Locatário que reside há anos no imóvel. Existência de sistuação semelhante. Contrato assinado para justificar a permanência no bem. Simulação. Observância da boa-fé. Negócio nulo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2013, 08:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /35473/tjma-civil-acao-de-despejo-contrato-de-locacao-por-dois-anos-locatario-que-reside-ha-anos-no-imovel-existencia-de-sistuacao-semelhante-contrato-assinado-para-justificar-a-permanencia-no-bem-simulacao-observancia-da-boa-fe-negocio-nulo. Acesso em: 22 nov 2024.
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